HISTÓRIAS DE UM TATUADOR

HISTÓRIAS DE UM TATUADOR

segunda-feira, 26 de julho de 2010

Urinado... Jogado aos Seus Pés Eu Sou Mesmo um Urinado

Por mais absurda que esta história possa parecer, ela aconteceu mesmo, mas vou mudar os nomes das pessoas envolvidas para proteger suas integridades... Ou, protegê-las do vexame...

Aquele dia seria um sábado promissor. Haviam muitas tatuagens marcadas e o movimento prometia ser grande. Naquela época, minha família ainda acompanhava meu trabalho e, às vezes, até me ajudava, se é que assim pode se dizer...

Os primeiros clientes daquele dia seriam dois casais de namorados, mas, eu ainda não sabia ao certo quem iria ser tatuado.

Depois de alguma espera, eis que finalmente chegam os casais. O primeiro deles tinha um rapaz branco, ligeiramente gordo, usando cavanhaque e uma roupa no estilo "esporte fino", enquanto a garota era alta, mulata, toda moderna e extremamente falante. Vamos chamar os dois de João e Maria...

Já o outro casal era mais estranho ainda. Ele era bem magro, com olhos grandes e saltados, careca, e exalava um cheiro terrível de maconha barata. Ela era bem pequenina, cabelos longos e embaraçados, olhos avermelhados e conseguia falar mais ainda do que a sua amiga! Estes dois, chamaremos de Toquinho e Lasquita...

Os dois casais eram amigos de velha data e haviam chegado até mim devido a uma indicação de uma amiga em comum. João e Maria namoravam há pouco tempo, mas Toquinho e Lasquita já formavam um casal há alguns anos.

Chegaram atrasados (só para variar), sentaram-se e logo foram olhando as pastas de desenhos de ponta a ponta. Fiquei por ali, arrumando as coisas, preparando o equipamento para iniciar a primeira tatuagem, quando descobri que os quatro queriam ser tatuados!

João foi o primeiro a desistir de olhar as pastas e veio até mim, dizendo:

"—É o seguinte, cara. Tenho uma tatuagem aqui neste braço e queria que você bolasse algo para ela..." – disse o rapaz, levantando a manga da camisa e revelando uma pequena e mal feita tatuagem tribal no ombro.

Observei atentamente o trabalho, tentando imaginar algo para complementar a tribal, quando João continuou:

"—Eu tenho esta tribal há algum tempo e gostaria de dar uma incrementada nela! Eu queria fazer uma tribal na tribal!"

Perguntei se o rapaz não queria aumentar a tribal, mas ele dizia, firmemente, que não queria aumenta-la, mas sim, fazer uma "tribal na tribal". Eu não entendia nada, afinal, o que seria uma "tribal na tribal"? Depois de algum tempo de conversa e sem chegar a conclusão nenhuma, desisti de tentar entender o que João dizia e resolvi apenas aumentar o tamanho da tribal para ver se realmente era aquilo que ele queria.

Esbocei um desenho em seu braço, aumentando a tribal, e logo João disse:

"—É isso! É isso! È isso que eu queria! Viu? Isso é uma tribal na tribal..."

Não tentei entender o ponto de vista dele e nem vou ficar aqui tentando explicar nada, afinal, já deu para perceber que algo de estranho estava rolando. E isso era só o começo!

Comecei a tatuar João enquanto o falatório era geral. Toquinho e Lasquita discutiam sobre qual tatuagem fariam, Maria falava mais que a boca e minha avó tossia e fumava um cigarro, observando tudo. De vez em quando minha mãe passava pela sala, dando uma ligeira espiada.

Algum tempo depois, terminei a "tribal na tribal" de João. Maria já havia escolhido seu desenho e o local que o faria: uma flor de três centímetros na perna esquerda. Era nítido que Maria era a mais nervosa de todas. Notava-se em seu rosto que ela estava apavorada com a idéia de fazer a tatuagem e toda hora me perguntava se ia doer...

Tentei acalma-la, mas foi em vão. Ela preparou-se para iniciarmos a tatuagem e não parava de falar! Não ficava quieta um minuto sequer! João segurou em sua mão tentando acalma-la, mas nada adiantava.

Quando comecei a tatuar, parecia que a garota ia morrer de tanto gritar e se espremer! Todos sabemos que tatuagem dói um pouco, mas é completamente suportável! Algo me dizia que Maria estava exagerando...

Passei a prestar atenção no jeito de Maria quando, depois de alguns minutos, a peguei no flagra: enquanto João dava atenção a ela, a dor diminuía, mas quando ele não olhava, a dor aumentava! Maria estava querendo mesmo era a atenção do namorado! Esperei então um momento em que João não estivesse prestando atenção em Maria e apenas fingi encostar a agulha em sua perna, mas, a garota gritou do mesmo jeito, mesmo sem estar sentindo nada! Daquele momento em diante deixei que Maria gritasse o quanto quisesse e continuei sem parar a tatuagem até o final.

A próxima seria Lasquita, que se aproximou, levantou a barra da calça e me mostrou um coraçãozinho que possuía tatuado na perna.

"—Quero refazer o coração e fazer uma tribal em volta dele!" – disse a garota revirando os olhos.

Aquele jeito estranho de olhar estava me dando até medo. A garota tremia os olhos de uma forma estranha. Seus olhos estavam ligeiramente avermelhados e algo me dizia que ela não estava em sã consciência...

Desenhei uma tribal pequena na volta do coraçãozinho e Lasquita gostou logo de cara. Dava até a impressão de que se eu desenhasse qualquer coisa ali, ela estaria contente.

Lasquita foi a que menos me deu trabalho durante a tatuagem. Maria não parava de falar de forma nenhuma, Toquinho permanecia calado, minha mãe andava pra lá e pra cá e minha avó continuava observando, fumando e tossindo...

Devido aos acontecimentos, as tatuagens que eu já havia feito demoraram mais do que o previsto. Todo aquele falatório já estava me deixando maluco e minha dor de cabeça aumentava cada vez mais, mas, finalmente, chegara a vez de Toquinho, o último do grupo a ser tatuado. Mal sabia eu que o pior ainda estava por vir...

Toquinho escolheu o desenho de um escorpião de uns quatro centímetros e iria fazê-lo na perna. Ele não queria que o escorpião fosse colorido, pois achava que se fosse apenas preto iria doer menos. Toquinho ficava cada vez mais nervoso a medida em que sua vez ia chegando. Ele suava e seus olhos esbugalhados pareciam que iam saltar das órbitas!  Devido ao suor, o cheiro de maconha estragada que exalava de seu corpo aumentava cada vez mais!

Lasquita sentou-se próxima de Toquinho e segurou sua mão, para dar-lhe apoio durante a tatuagem. João olhava, enquanto Maria não calava a boca! Minha mãe passeava pela sala e minha avó fumava e tossia, não necessariamente nesta ordem.

Finalmente comecei a tatuar a perna do rapaz. Tudo corria bem e eu até estranhava tanta normalidade. Tratava-se de um desenho simples e rápido e logo ficaria pronto, mas quando faltavam apenas alguns detalhes para o final, algo de estranho aconteceu a Toquinho: seu corpo começou a tremer e amolecer, seus olhos esbugalhados viraram, e sua boca começou a espumar! Imediatamente parei de tatuar, mas, antes que eu pudesse fazer qualquer coisa, Lasquita levantou-se e pôs-se entre eu e o rapaz, impedindo-me de poder ajuda-lo.

"—Amor! Amor! Amor! Amor!" – repetia sem parar Lasquita, enquanto Toquinho desmaiava.

Eu pedia calmamente para que a garota se afastasse para que eu pudesse prestar o socorro necessário ao rapaz, mas Lasquita não me ouvia e continuava a gritar a palavra "amor"... Minha avó tossiu mais uma vez quando minha mãe veio até onde estávamos. Assim que viu a cena, minha mãe, apavorada, agarrou o rapaz pelo pescoço e começou a esbofeteá-lo! Deu uns cinco tapas na cara de Toquinho! Lasquita gritava:

"—Minha senhora! Minha senhora! O que a senhora está fazendo? A senhora vai mata-lo!"

A confusão aumentava a cada segundo e eu não conseguia socorrer devidamente o rapaz! Maria não calava de forma alguma a boca e João parecia uma estátua. Minha mãe espancava o rapaz desmaiado, tentando faze-lo voltar a si. Lasquita não dizia outra coisa que não fosse a palavra "amor" e não saía da minha frente.

Perdi a paciência e tirei Lasquita e minha mãe de perto do rapaz. Fiz o procedimento adequado e consegui com que Toquinho recobrasse a consciência.

Já acordado, porém desnorteado, Toquinho olhava para mim, confuso.

Para aqueles que não conhecem meu jeito de trabalhar, tenho que explicar agora que costumo usar uma toalha de banho sobre minhas pernas enquanto tatuo, para que nada caia sobre mim nem sobre minha roupa.

Para piorar ainda mais a situação e para aumentar meu espanto, percebi que uma poça de água se formava embaixo de Toquinho, que estava sentado em cima da maca. A água aumentava cada vez mais até que começou a escorrer pelo chão! A água surgia da bunda de Toquinho! O rapaz estava urinando ali mesmo!

Logo em seguida, Toquinho agarrou a toalha do meu colo e começou a se enxugar! Ele enxugou a urina com a minha toalha de trabalho! Lasquita continuava repetindo a palavra "amor" e minha avó já acendia o décimo cigarro!

Todo mijado, Toquinho levantou-se e não parava de se desculpar. O cheiro de maconha se misturou com o de urina, criando uma combinação insuportável. Terminamos a tatuagem alguns minutos depois...

Os dois casais estavam sem graça quando pediram a "conta". Passei os valores de cada tatuagem para seus respectivos donos, mas, para Toquinho, além da "conta", dei um rodo e um pano-de-chão para que secasse a urina. Junto com o valor da tatuagem, cobrei também o valor da toalha, a qual coloquei numa sacolinha e entreguei a Toquinho, toda mijada. O rapaz não questionou minha atitude por não querer saber o que se passava por minha cabeça naquele momento...

Os casais foram embora. Não tatuei mais naquele dia. Limpei a sala para retirar o cheiro de urina. Minha avó tossiu mais uma vez e acendeu mais um...

Tatuador tem até que limpar o xixi dos clientes! É mole?

P.S.: O Ministério dos Tatuadores adverte: Usar drogas antes de fazer sua tattoo é prejudicial à saúde e eu não tatuo mais ninguém que estiver bêbado ou drogado... Se eu notar, é claro...

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